Governo paga conta superfaturada em 300% e servidor banca o prejuízo
Fonte: Primeira Página/Rafael Miranda - 31/01/16 13h29
300%. Essa foi a quantidade que o governo do Tocantins pagou a mais para a compra de materiais cirúrgicos do PlanSaúde. O Primeira Página apurou nesta semana essa denúncia que envolve aquisições de materiais, por intermédio da Unimed Centro-Oeste, cooperativa que “operacionaliza” o PlanSaúde. Uma despesa a mais que vai direto para o bolso do servidor público tocantinense.
O jornal teve acesso aos extratos de uma cirurgia ortopédica do Plano, entregues por um servidor que não quer se identificar. Estão ali todos os materiais utilizados no procedimento ofertado. Os materiais da cirurgia em questão saíram no total por R$ 29.800,00, mas nos valores de mercado, esse custo cai para R$ 7.400,00. Após um levantamento em empresas privadas, foi identificado que os valores pagos pelo Governo do Estado estavam muito acima do normal.
Exemplos
A compra de dois fios guia para esta cirurgia foram adquiridos pelo governo no valor de R$ 3.950,00 cada. No mercado privado, esse material sai por menos de R$ 200,00, um superfaturamento de 1.895%. Já um parafuso de interferência, utilizado para casos de rompimento de ligamentos, custa no mercado cerca de R$ 1.600,00, mas o governo do Estado estava pagando mais de R$ 3.300,00 pelo parafuso, 205% a mais.
Quem Paga a conta?
O PlanSaúde é financiado pelo FunSaúde, um fundo criado em 2003, na qual recebe recursos vindos das mensalidades dos servidores públicos que optaram pelo Plano, juntamente com os valores da comparticipação do servidor, mais as contribuições do governo.
A comparticipação trata-se de um valor pago pelo servidor ao final de qualquer atendimento que tenha feito junto ao plano. Esse montante é calculado também pelo custo final do procedimento, e quanto mais caro for esse procedimento, mais caro fica a comparticipação. Lembrando que esse valor tem um limite, que se estabelece sobre o salário que o servidor recebe.
A cirurgia superfaturada que o Primeira Página examinou, por exemplo, teve um valor de comparticipação de mais de R$ 5.900,00, pagos por um servidor. O valor justo dessa comparticipação seria R$ 1.470,00, cerca de 300% a menos do que o cobrado pelo Plano.
O servidor informa ainda que fez outra cirurgia, para retirada do apêndice, em que custo final para o governo foi de R$ 19.800,00, mais a soma de sua própria comparticipação no valor de R$ 3.900,00. Não foi possível averiguar os extratos com os valores do que foi utilizado nesta operação, pois grande parte dos instrumentos utilizados estavam todos inseridos em uma única categoria, sem especificar. Só de “material de uso geral”, por exemplo, foram gastos R$ 12.700,00, 63% de todo o custo operacional dessa cirurgia.
Silêncio
O Primeira Página entrou em contato com a Unimed Centro-Oeste, empresa que operacionaliza o Plano. A Unimed é a fornecedora de insumos, medicamentos e materiais cirúrgicos do PlanSaúde. Questionada a respeito dos altos valores cobrados pela cooperativa, a Unimed optou por não se manifestar sobre o caso.
Enviamos os questionamentos à Secretária de Administração do Estado, pasta responsável pelo PlanSaúde, que respondeu através de nota: A Secad informa “que procedimentos médicos e de enfermagem ligados aos atendimentos médicos são de competência da operadora, UNIMED Centro-Oeste e que são fiscalizados pela Gerência de Auditoria e Controle do Plansaúde”.
Na nota a Secad informa ainda que “a precificação e o faturamento dos serviços prestados aos beneficiários do Plansaúde tem como base os preços dos procedimentos previstos nas revistas SIMPRO e BRASINDICE, que são referências para todas as operadoras de planos de saúde. Conforme portaria n° 932, de 04 de outubro de 2012, que homologa a Instrução Normativa n° 01, de 04 de outubro de 2012”.
As histórias do plano
O Plano de Assistência à Saúde dos Servidores Públicos (PlanSaúde) foi instituído em 2003, no primeiro ano de mandato do governador Marcelo Miranda. Tinha por intento fornecer atendimentos médicos, exames laboratoriais e tratamentos aos servidores de todo o estado. Cerca de 90 mil servidores são titulares do Plano.
O PlanSaúde constantemente tem sido alvo de críticas, tantos dos servidores quanto das unidades hospitalares e clinicas conveniadas. De um lado, os servidores reclamam dos atrasos em atendimentos e demoras para conseguir exames. Do outro, as unidades conveniadas, que através do Sindicato de Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde do Tocantins (Sindessto), informaram no final de 2015 uma dívida do PlanSaúde de mais de R$ 36 milhões de reais. Em nota oficial da Secretaria de Administração remetida na época, informava que por “ausência de liquidez financeira”, o pagamento estaria atrasado.
Em 2014 uma servidora, titular do PlanSaúde, entrou na justiça por ter pago de seu próprio bolso uma cirurgia numa clínica conveniada em Palmas. No caso, o plano havia suspendido o atendimento.
Em conversas com médicos de Palmas, a categoria apresentava o mesmo discurso quanto ao PlanSaúde: instabilidade. Muitos já deixaram de atender pelo Plano por constantes atrasos de pagamentos, acabando por somar as dificuldades do servidor em encontrar atendimento.
Na última sexta-feira, 29, clínicas de ortopedia, urologia e ofetalmologia de Palmas suspenderam atendiementos do PlanSaúde. Os médicos especialistas afirmam falta de pagamento. Segundo a Secretaria de Administração, a divida atual com os convêniados é de R$ 25 milhões, ainda sem previsão
de pagamento.
Sisepe se manifesta
Levamos o caso da denúncia para o Sindicato dos Servidores Públicos do Tocantins, (Sisepe), maior entidade que abrange todas as categorias do estado. Em conversa com o presidente, Clayton Pinheiro, foi relatado que desde a criação do Conselho Fiscal, em 2003, este nunca chegou a operar efetivamente. “Desde o inicio tentamos diálogo com todos os governos que passaram pelo executivo, na tentativa de erguer o conselho, que teria a responsabilidade de fiscalizar e auditar as ações do Plano.”
O Sindicato relata que recebe constantemente reclamações dos servidores, e informa que estão em posse de 57 ações já ajuizadas contra o PlanSáude, sejam por ressarcimentos, negativas de atendimentos, acesso a cirurgias ou exames laboratoriais.
O Sisepe afirma ainda que o governo aparenta estar colocando a conta do Plano toda no bolso do servidor. O próprio presidente do sindicato afirmou que realizou recentemente uma cirurgia, na qual estranhou muito o valor final: cerca de R$ 22 mil, e que irá solicitar junto ao PlanSaúde os extratos de sua operação para confrontar os valores cobrados.
Lembrando que estes extratos, que indicam o detalhamento dos materiais utilizados nas operações do Plano, podem ser solicitados pelo servidor titular junto à sede administrativa do PlanSaúde, ou através da internet, no Portal Secad.
Publicado no Jornal Primeira Página, 31 de janeiro a 06 de fevereiro de 2016.
Disponível em: http://www.primeirapagina.to/noticia-2180-governo-paga-conta-superfaturada-em-300-e-servidor-banca-o-prejuizo.html